Advogados da Petrobras implicam Dallagnol em processo nos Estados Unidos; leia o depoimento

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Advogados da Petrobras contaram em depoimento ao CNJ os bastidores da cooperação da Lava Jato com os EUA

Relatório inédito da correição extraordinária na 13ª Vara Federal de Curitiba, obtido pela nossa reportagem nesta terça (16), expõe depoimento de um advogado da Petrobras que confirma uma série de reportagens e artigos publicados pelo GGN desde 2019, apontando para o papel nebuloso que os procuradores então liderados por Deltan Dallagnol exerceram no processo enfrentado pela Petrobras nos Estados Unidos.

Com base em entrevistas, apurações e análise de dados das viagens feitas pelos procuradores da Lava Jato aos Estados Unidos, o GGN questionava nas publicações se os procuradores de Curitiba teriam ajudado os agentes americanos a instruir processo contra a Petrobras, entregando aos órgãos americanos provas – ou caminhos de provas, como acesso a delatores – usadas pela força-tarefa nos processos instruídos em Curitiba por Sergio Moro. >>> Leia mais: Como a Petrobras foi parar no banco dos réus nos EUA

No final de 2019, procurada pela reportagem, a equipe de Dallagnol apenas admitiu em nota que “realizou gestões perante as autoridades norte-americanas para que parte significativa dos recursos [da multa paga pela Petrobras para encerrar os processos nos EUA] pudesse ficar no Brasil.”

“O pedido se fundamentou especialmente no fato de que a sociedade brasileira foi quem mais sofreu com a corrupção político-partidária na estatal”, disse a força-tarefa ao GGN, negando também “influência no processo da Petrobras junto ao DOJ e SEC”.

Porém, o depoimento do advogado da Petrobras ao CNJ, que vem à tona a partir do relatório da correição extraordinária, desbanca a primeira versão dada pela turma de Curitiba. Na verdade, segundo os relatos do advogado, Dallagnol e sua equipe disseram à Petrobras que parte da multa paga aos EUA retornaria ao Brasil porque a própria força-tarefa de Curitiba teria facilitado praticamente todo o trabalho dos agentes americanos.

O depoimento do advogado da Petrobras

Segundo o relato do advogado Carlos Rafael Lima Macedo ao CNJ, a Petrobras foi comunicada formalmente ainda em 2014 da existência das investigações abertas nos Estados Unidos com base na FCPA (a lei anticorrupção americana, que alcança qualquer empresa com ações na bolsa de Nova York, como era o caso da Petrobras). As acusações estavam alicerçadas nos esquemas de corrupção revelados pela Lava Jato em Curitiba a partir de uma série de delações premiadas.

O advogado afirmou que a Petrobras informou à força-tarefa de Curitiba a existência de tais investigações, embora soubesse que o “DOJ mantinha contato com integrantes da força-Tarefa da Lava Jato, relatando que sabiam das apurações, que tinham acesso aos colaboradores, que poderiam tomar depoimentos.”

Fontes também disse que os procuradores de Curitiba relataram aos advogados da Petrobras que “teriam acertado com o departamento americano que, como as provas que eles obtiveram foram o Ministério Público que forneceu, o trabalho era todo MP, que eles [as autoridades americanas] concordavam que parte do dinheiro que a PETROBRAS viesse a ser condenada ou fizesse acordo seria revertido para o Brasil, voltaria para o Brasil”.

Outro advogado da Petrobras, Vagner Silva dos Santos disse ao CNJ que “Deltan explicou pra gente que tinha informação de que o DoJ já tinha um caso contra a Petrobras e que, enfim, o DoJ avançaria com uma possível negociação. E, do ponto de vista ali da força-tarefa, eles já teriam articulado com o DoJ que, se a Petrobras viesse a celebrar alguma espécie de acordo, que parte da multa seria destinada ao Brasil.”

As contradições da Lava Jato

No relatório obtido pelo GGN, a correição extraordinária aponta que a Lava Jato sempre tratou a Petrobras com postura ambígua e contraditória. De um lado, ajudou os EUA a tratarem a Petrobras como culpada pelos esquemas internos de corrupção, a fim de ver a empresa pagar multa bilionária aos americanos, na intenção de recuperar 80% do valor para aplicar em uma fundação privada que naufragou por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Já em Curitiba, a Petrobras não tratada como culpada, mas sim como vítima, a ponto de receber recursos direcionados pelos procuradores e pelo ex-juiz Sergio Moro. Segundo a correição, ao todo, a Petrobras teria sido “ressarcida” em 5 bilhões de reais, sendo que 2,1 milhões de reais foram repassados à empresa a partir de um procedimento ultra secreto criado por Moro para controlar os recursos financeiros.

Esses valores concentrados e administrados pela 13ª Vara eram produto de multas aplicadas pela Lava Jato aos réus da operação em acordos de leniência ou delação premiada. Moro sequer aguardava o trânsito em julgado das ações para fazer a distribuição dos recursos sem transparência, critérios ou prestação de contas, apontou o CNJ.

“Isso [tudo] foi feito diante de um outro fator que recomendaria cautela na preservação dos valores em juízo até o fim dos devidos processos legais. Tanto o titular da 13ª Vara Federal de Curitiba (…), quanto integrantes da força-tarefa do MPF (…) foram formalmente cientificados da existência do inquérito civil público em curso o Ministério Público do Estado de São Paulo, iniciado por acionistas minoritários da PETROBRAS, procedimento preparatório para proposição de ação civil pública para ‘assegurar o ressarcimento de danos causados em decorrência da violação dos deveres de administração, gestão temerária ou fraudulenta da Companhia’.”

A Lava Jato atuou para que a ação do MP em São Paulo fosse arquivada, e na visão do CNJ, o critério de destinação de valores adotado por Moro fugiu totalmente “ao fundamento legal de decretação de perda, previsto como efeito da condenação (art. 91, inciso II, do Código Penal ou art. 7º, inciso I, da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998). Em seu lugar, adotaram um modelo consensual, sob argumento de que os acordos – homologados pelo juízo – geravam uma vinculação e que ‘tais valores eram ressarcimentos cíveis relacionados a acordos homologados pelo juízo’ (depoimento de DELTAN DALLAGNOL).”

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. Toda essa corja, cometeram crime de alta traição ao pais. Deveriam estarp presos como traidores. Oh! Meu Brasil, quando serás um país sério?!

  2. Duas observações:
    1- a punição direta das empresas foi estabelecida pela Lei federal n. 12846/2013, lei recente na época dos fatos e que prevê a realização de acordos para se chegar a um resultado consensual, seguindo regras pré definidas
    2-Quanto ao compartilhamento de provas entre as justiças nacional e internacional é prática corriqueira internacional, conforme acordos de colaboração, inclusive para casos de crimes que extrapolam o âmbito nacional

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